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Três Lagoas,19/04/2024

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Coquetéis de 'sangue russo': como apostila escolar russa assusta adolescentes e convoca para a guerra na Ucrânia

Fonte: g1.globo.com
Coquetéis de 'sangue russo': como apostila escolar russa assusta adolescentes e convoca para a guerra na Ucrânia



Livro didático será usado em uma nova matéria que vai ser ensinada por ex-soldados na Rússia e em territórios ocupados da Ucrânia. O novo livro didático, destinado a alunos do ensino médio, defende que maiores de 18 anos entrem para o Exército
Getty Images/BBC
A Rússia está introduzindo uma nova matéria militar em todas as escolas do país e nos territórios ocupados da Ucrânia. Chamada “Fundamentos de Segurança e Defesa da Pátria”, a disciplina será obrigatória para alunos do ensino médio, com idades de 15 a 18 anos, a partir de 1º de setembro de 2024.
👉🏾 A BBC obteve uma cópia do novo livro didático sobre o tema — e analisou suas 368 páginas. O exemplar contém narrativas falsas do Kremlin sobre a guerra contra a Ucrânia e convoca os estudantes a entrar para o Exército.
A aula "Fundamentos de Segurança e Defesa da Pátria" vai ser ministrada uma vez por semana, substituindo uma disciplina de longa data conhecida como "Fundamentos de uma Vida Segura" em todas as escolas do país e em cinco regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia.
A expectativa é de que ex-soldados sejam professores da nova disciplina. Aos russos formados em pedagogia que regressam da guerra na Ucrânia, já estão sendo oferecidos cursos gratuitos de reciclagem para se tornarem professores.
“Vamos melhorar o módulo inicial de treinamento militar para torná-lo mais envolvente e moderno”, disse Sergei Kravtsov, ministro da Educação russo.
A aula 'Fundamentos de Segurança e Defesa da Pátria' vai ser introduzida em todas as escolas na Rússia e em cinco regiões ocupadas da Ucrânia.
Getty Images/BBC
O Exército russo em Defesa da Pátria, o primeiro livro didático da nova disciplina, é publicado pela "Enlightenment", a principal editora educativa russa. A empresa organizou uma sessão de apresentação online para professores em janeiro, à qual a BBC assistiu.
“Caros colegas, todos nós compreendemos a importância de apresentar informações aos nossos estudantes a partir da perspectiva do nosso Estado [Rússia]”, declarou Olga Plechova, representante da editora.
“Não podemos transmitir pontos de vista alternativos aos alunos. Portanto, este livro vai ajudá-los a responder as perguntas das crianças e oferecer uma abordagem precisa de determinados eventos."
Uma das ilustrações do livro é a foto de um tanque russo na Ucrânia, com a seguinte legenda: 'Às vezes, a paz só pode ser restaurada com a ajuda de tanques'.
Getty Images/BBC
Para "abordar com precisão" determinados eventos, a editora contou com a ajuda de um representante do Ministério da Defesa, o tenente-general Rafael Timoshev, e do editor-chefe adjunto do "jornal russo" do Kremlin, Igor Chernyak, coautores do livro didático.
'Ataques de foguetes nazistas' como pretexto para a invasão
A BBC adquiriu um exemplar de O Exército Russo em Defesa da Pátria. As páginas do livro estão repletas de histórias que descrevem as "conquistas heroicas dos soldados russos", que vão desde o século 13 até os dias de hoje.
Os autores da publicação elogiam o ditador soviético Joseph Stalin, celebram as vitórias do povo soviético durante a "Grande Guerra Patriótica" [termo usado pelos russos para se referir à Segunda Guerra Mundial] e aclamam o papel dos militares russos na "reunificação da Crimeia com a Rússia" [termo usado pelo Kremlin para a ocupação da península ucraniana].
O livro glorifica o ditador soviético Stalin e os militares russos que participaram da ocupação da Crimeia.
Getty Images/BBC
Em um capítulo à parte, o livro escolar aborda a chamada “operação militar especial na Ucrânia” [como o Kremlin chama a invasão em grande escala da Ucrânia].
“Quando houve um golpe de Estado em Kiev em 2014, o novo governo iniciou uma repressão a tudo que era russo. Livros russos foram queimados, monumentos foram destruídos, canções russas e a própria língua russa foram banidas”, descrevem falsamente os autores.
“Coquetéis de 'sangue russo' eram servidos em restaurantes."
E as alegações falsas continuam:
“Cidades nas regiões de Luhansk e Donetsk, onde existia dissidência contra tais políticas, foram bombardeadas por explosivos e foguetes nazistas”.
Os autores do livro didático afirmam ainda que "foram a Ucrânia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que planejaram começar a guerra".
De acordo com o texto, "em 19 de fevereiro de 2022, na conferência de Munique, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ameaçou a Rússia, afirmando que a Ucrânia planejava adquirir armas nucleares. Kiev estava planejando recuperar o controle de Donbas e capturar a Crimeia, e depois disso as tropas da OTAN ficariam posicionadas lá".
A passagem continua, afirmando que “um grande número de tropas e veículos blindados ucranianos estavam concentrados nas fronteiras”.
O analista político ucraniano Volodymyr Fesenko classifica este conteúdo como “completa desinformação e mentira”. Ele se recorda de ter assistido ao discurso de Zelensky em Munique, no qual o presidente ucraniano mencionou o Memorando de Budapeste.
O acordo, assinado em 1994, previa que a Ucrânia entregasse suas armas nucleares em troca de garantias de segurança da Rússia e de outros países. Estas garantias foram violadas quando a Rússia ocupou a Crimeia em 2014.
De acordo com Fesenko, diferentemente do que o livro afirma, Zelensky enfatizou esta violação em meio a preocupações crescentes sobre a mobilização de militares russos perto das fronteiras da Ucrânia desde o fim de 2021. A Rússia lançou um ataque em grande escala à Ucrânia pouco depois da conferência de Munique.
O livro afirma que a cidade ucraniana de Mariupol, bombardeada pelos russos, foi destruída durante batalhas com 'nazistas' e 'mercenários estrangeiros'.
Getty Images/BBC
Na sequência, o livro alega falsamente que a cidade ucraniana de Mariupol, bombardeada pelos russos, foi destruída durante batalhas com “nazistas” e “mercenários estrangeiros”.
Especialistas entrevistados pela BBC observam como o livro destaca que a Rússia prioriza a segurança civil ucraniana e minimiza a destruição. O texto argumenta que “a Ucrânia tem frequentemente como alvo infraestruturas civis”, ao mesmo tempo que afirma que “a Rússia luta com integridade”.
“Todo mundo lembra da tragédia em Bucha, na região de Kiev, onde dezenas de civis ucranianos foram mortos por russos, e mulheres teriam sido estupradas”, diz Fesenko.
“Há dezenas e dezenas de casos assim. O prédio da Universidade Nacional de Kharkiv, onde trabalhei há 20 anos, foi destruído no primeiro dia do ataque russo à cidade. A escola onde minhas filhas estudavam também foi bombardeada. Estes são edifícios civis que a Rússia destruiu brutalmente."
Da sala de aula para o campo de batalha
Outro capítulo de O Exército Russo em Defesa da Pátria começa com uma visão geral aprofundada da estrutura das Forças Armadas da Rússia. À medida que o conteúdo se desenvolve, defende cada vez mais que maiores de 18 anos se alistem no Exército.
O livro descreve o processo, incluindo os documentos necessários, o tamanho da foto, um link para o formulário de inscrição e endereços próximos para alistamento. Promove também os benefícios, como assistência médica e seguro gratuitos, salário atrativo e três refeições diárias.
Lista ainda várias restrições em caso de não comparecimento ao local de alistamento se for recrutado, incluindo recusa de crédito e proibição de dirigir automóvel ou registrar propriedade.
Em destaque, está o link que o livro didático fornece para o formulário de alistamento no Exército.
Getty Images/BBC
Os jovens dos territórios ucranianos ocupados, como a Crimeia e Donbas, podem ser atraídos por estes bônus econômicos, alerta Olha Skrypnyk, chefe do Crimean Human Rights Group.
"Além da propaganda agressiva dirigida às crianças nos territórios ocupados da Ucrânia durante os últimos dez anos, não há oportunidades de ganhar dinheiro lá. Onde mais eles vão receber esse salário?", diz ela.
Soldados russos em uma escola na ocupada Melitopol.
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Skrypnyk acrescenta que o novo livro vai contribuir para a mobilização de reservas na Rússia e nos territórios ocupados pelo país.
“Então essas crianças vão para a guerra e morrem.”
Em dois anos de guerra, a Rússia perdeu pelo menos 1.240 soldados com até 20 anos. Estes são apenas aqueles cujas mortes foram confirmadas pelo serviço de notícias em russo da BBC com base em informações divulgadas.
Gráficos: Angelina Korba




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